8 de agosto de 2014

[Resenha] A Brincadeira - Milan Kundera

 Título Oiriginal: La Plaisanterie
Editora: Selo Companhia de Bolso
Páginas: 350
Gênero: Romance
Ano: 2012 (primeira publicação: 1967)
ISBN: 978.85.35.92117.5
Minha Nota: EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Onde Comprar: SUBMARINO | SARAIVA | CULTURA
 

Ludvik decide voltar à Morávia, sua cidade natal e onde viveu grande parte de sua juventude. Durante esse breve retorno ele vai se redescobrir e, de certa forma, fazer as pazes com o seu passado, com o seu "eu" antigo e com toda a sua história, drasticamente mudada pelo destino quando ele ainda era um estudante universitário. Na realidade, o livro conta a história de vida do protagonista: as reviravoltas de seu destino, atitudes impensadas que o levaram aonde está, suas complexidades, amores, medos e angústias.  A narrativa se dá em primeira pessoa e o livro é dividido em sete partes, em que a narrativa se alterna entre quatro personagens importantes; Ludvik conta a maior parte delas. O recurso de narrativas a partir de pontos de vistas diferentes utilizado por Kundera foi essencial para que houvesse uma compreensão real de Ludvik, o que não seria possível se o livro fosse todo contado pelo próprio personagem.

O protagonista era um jovem estudante engajado na política, afiliado ao Partido Comunista e um tanto excêntrico. Adorava estudar e idolatrava o Partido. Mas seus colegas o consideravam um tanto individualista e irônico; diziam que Ludvik usava, para cada situação, uma máscara diferente. Ele mesmo começa a concordar com tal pensamento. No entanto, tudo caminhava relativamente bem, quando uma simples brincadeira de sua parte foi o suficiente para mudar todo o curso de sua história. Querendo caçoar da namorada Marketa, a qual nunca entendia brincadeiras e piadas, ele lhe escreveu um bilhete que dizia "O otimismo é o ópio do gênero humano! O espírito sadio fede a imbecilidade! Viva Trótski!". Obviamente seus colegas da universidade e do Partido não compreenderam a brincadeira e Ludvik se viu afastado de seu cargo e de seus estudos, acusado de ser um verdadeiro traidor, indo contra toda a ideologia do Partido Comunista; e mais: teve de ficar tempos no exército para onde iam os "traidores" e não entusiastas do Comunismo.

               

E é aí que Ludvik se torna um homem amargo e rancoroso, incapaz de entender que o que ele fez nunca poderia ter sido interpretado como uma simples brincadeira, dada a situação e o contexto. Mas é aí também que ele encontra um amor e vive todas as suas alegrias e tristezas. Todo o enredo do livro nos mostra como a sede por vingar-se daqueles que o expulsaram do Partido foi a responsável por determinar todo o rumo de sua vida e como os fantasmas do passado, se não compreendidos, podem se transformar em verdadeiros obstáculos na vida presente. Desse modo, trata-se de uma leitura bastante reflexiva, com uma análise profunda sobre a nostalgia - principalmente do que não aconteceu - e sobre a relação passado-presente, em que acompanhamos um Ludvik já adulto relembrando os fantasmas de seu passado e tentando um acerto de contas com eles, tentando se compreender, para que finalmente pudesse viver em paz consigo mesmo e com o Universo, aceitar o destino de sua vida e aprender a ser feliz com isso.

A primeira vez em que ouvi falar de Milan Kundera foi no início desse ano, quando meu professor de Teoria da Comunicação nos comunicou de que a avaliação semestral teria como tema o livro A Brincadeira, desse mesmo autor. Eu não sabia bem o que esperar da leitura; nunca havia ouvido falar naqueles nomes e também nunca havia lido nada do Leste Europeu. Bom, eu adoreeeei a leitura! Adorei a narrativa, adorei o enredo, adorei as mensagens reflexivas que o livro passa (pra variar!), adorei as personagens tão bem construídas e tão psicologicamente bem exploradas... Fiz um mooooonte de marcações com post-its, não só de passagens bonitas, mas também de tudo o que tinha a ver com a matéria estudada durante o semestre (e não foi pouca coisa, não!). Essa leitura é, em si só, uma verdadeira bagagem cultural, na medida em que se trata também de uma obra que aborda, em grande parte, a cultura popular tcheca (o que, confesso, pode ser bastante cansativo em alguns pontos). E, não podia deixar de dizer, eu AMO as edições da Companhia de Bolso! Que coisinhas mais lindas e delicadas e muito amor esses livros, gente! Sou simplesmente apaixonada pelo projeto gráfico deles, principalmente, pelo tamanho de bolso ideal.

"Nós vivíamos, Lucie e eu, num mundo devastado; e porque não soubemos nos apiedar dele, dele nos desviamos, agravando assim a sua infelicidade e a nossa. Lucie, tão amada, tão mal-amada, foi isso que você veio me dizer no fim desses anos? Pleitear a compaixão por um mundo devastado?"

Sobre o autor: "Milan Kundera é um dos maiores escritores do pós-guerra. Nascido em Brno, na região da Morávia, antiga Tchecoslováquia (hoje República Tcheca), ele conquistou fama internacional com o romance "A Brincadeira" (1967), que lhe rendeu a proibição de publicar em seu país e a perda da nacionalidade. Seus romances geralmente tratam de escolhas e decepções. Em seus livros é recorrente a crítica ao regime comunista e à ocupação russa de seu país em 1968. Em 1970, o escritor publicou o romance "Risíveis Amores". Refugiou-se em Paris em 1975, onde lecionou a disciplina arte do romance na École des Hautes Études en Sciences Sociales. A partir de 1980, quando se naturalizou francês, passou a se dedicar à tradução para o francês de seus textos anteriores, escritos originalmente em tcheco. Com "A Insustentável Leveza do Ser" (1984, adaptado para o cinema em 1987), tornou-se conhecido mundialmente. Em 1987, recebeu o Prêmio Nacional das Letras da Áustria. Outras obras importantes do autor são "O Livro do Riso e do Esquecimento", "A Valsa do Adeus", "A Imortalidade", "A Lentidão", "A Vida Não É Aqui" e "A Cortina"."


Quem quiser me acompanhar no Skoob é só clicar aqui.

Beijos com carinho! 


2 comentários:

  1. Não sei se o blog ainda está ativo, mas acho digno deixar um comentário.

    Inicialmente, quero dizer que gostei do livro também. Talvez não com tanto entusiasmo como o seu. Sinceramente, achei a narrativa um pouco dura, e apesar da troca de personagens ser algo interessante, não creio que foi feita da melhor forma possível. Também me incomodou um pouco que as personagens femininas (Helena, Lucie e Marketa) são extremamente rasas. Sim, achei Lucie rasa, apesar de sua história de fundo.

    E seu ponto de vista é muitíssimo interessante. Não tinha parado pra pensar na obra como uma reflexão ao conflito passado-presente. Claro, achei sua análise muito boa, e me ajudou a enxergar algo novo. Mas, em meu pensamento, este livro seria sobre o conflito eu x alter, ou seja, os outros. As pessoas tentam desesperadamente entender umas às outras, e todas patinam nesse limbo entendendo-se cada vez menos uns aos outros. Alguns acham que triunfaram, pensando chegar à alguma conclusão sobre outros, quando, na verdade, estão tão no escuro como os outros narradores. Vide a história de Kostka, nesse caso.

    A propósito, você citou que o livro foi uma recomendação de seu professor de Teoria da Comunicação, no primeiro semestre do ano. Curioso, o mesmo aconteceu comigo. Por acaso você seria uma colega da ECA-USP?

    Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Anônimo! Rs

      Muito obrigada pelo seu comentário e por dividir suas impressões comigo. Eu também não havia parado para pensar sobre o seu ponto de vista e achei-o muito interessante! De fato, o conflito eu x alter está presente na narrativa e, acredito, mistura-se com o conflito passado-presente.

      Na realidade, eu nem sabia que esse blog ainda existia e foi uma surpresa quando recebi seu comentário por e-mail! O blog "oficial" é este aqui: http://euliteraria.blogspot.com.br/, mas ele também está abandonado :( há muitos livros dos quais gostaria de fazer resenha, mas não tenho conseguido me organizar para tanto.

      E, sim! Estou no segundo ano do curso de Editoração na ECA-USP. Não nos conhecemos?

      Abraços,

      Bia.

      Excluir